segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

"Lasciate ogni speranza, voi che’entrate"¹ (Por Thiago "Fiago"²)

Neste ano de 2008, o curso de Direito completa 90 anos. Aqui, não iremos relatar sua história, pois tal tarefa os artigos domingueiros dos jornais cumprem bem. Nosso objetivo é outro: desvelar um pouco da realidade dos corredores do curso a quem não o conhece por dentro.

O título deste artigo é a inscrição que se divisa à entrada do Inferno, na célebre “Divina comédia”, de Dante Alighieri: “vós que entrais, deixai toda a esperança”. Uma frase que infelizmente refletiu a situação do curso há não muito tempo e, não raramente, reflete a atual...

Ano passado, comemorou-se, com direito a outdoors espalhados pela cidade, a nota máxima no Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (ENADE) 2006 (que colocaria nosso curso dentre os melhores do Brasil) e, em reconhecimento de sua “qualidade” ímpar, o selo “OAB Recomenda”. Doce ilusão que traz à tona um paradoxo curioso.

Será que as condições da UFMA atestam algum merecimento?

Passamos por alguns problemas emblemáticos: no segundo semestre de 2006, tínhamos 19 cadeiras ociosas e, então, o Centro Acadêmico I de Maio (CAIM), expressando o descontentamento geral dos estudantes, espalhou algumas faixas pelo CCSo com dizeres como “Professores, estamos com saudades” ou “Direito – UFMA – Conceito A – Ausência de professores”, o que provocou a fúria do reitor – este obrigou, na sua presença, a chefia de departamento a ligar para todos os faltosos e lhes cobrar a presença; a grade curricular está medonhamente defasada em relação às particulares; os processos de admissão de substitutos emperram na burocracia; não raro há dias em que as salas de todo um corredor ficam sem aula; a sala de informática não funciona por falta de um servidor que fique responsável por ela e porque todos os computadores estão inutilizáveis por falta de uso.

Calma, não acabou. A seguir, alguns casos inusitados: Certa professora justificou sua ausência de todo um mês porque, segundo a mesma, durante esse tempo estava procurando a sala certa; o amor cego pela deusa Themis causou amnésia em certo professor, que não vinha ministrar suas aulas (as quais ocorreram apenas sete a nove vezes durante todo o período), sem falar que o assunto destas girava em torno de sua (quase) certa nomeação para desembargador no Tribunal de Justiça (mas sequer figurou na lista tríplice da qual o governador escolhe um nome para ocupar o cargo). Este mesmo que vos escreve recebeu uma advertência de certa professora porque, na explanação de um trabalho, foi “crítico demais” e, logo depois, ela ligou avisando que não mais queria apresentações críticas nas outras equipes (que didática, não?). Por último, e o mais vergonhoso de tudo, lamentamos o descaso com que os portadores de necessidades especiais (que, aliás, são bem básicas para eles), sobremaneira no matutino, vêm sendo tratados pela Administração Superior mesmo em um curso onde tanto se fala em dignidade humana. Fiquemos por aqui com os exemplos, senão eles estender-se-iam ad infinitum.

Eis que surge o paradoxo... Como é possível comemorar o “OAB Recomenda”, a nota máxima no ENADE, vendilhões de uma imagem distorcida e comodista, se ficou clara a situação precária e alarmante? Sem dúvida, o Departamento de Direito (DEDIR), a Coordenação e a Reitoria quiseram nos parabenizar por sermos os desafortunados palhaços neste grande circo. Não somos palhaços, mas assim somos tratados por eles. Um exemplo emblemático e elucidativo: na programação original da solenidade em comemoração aos 90 anos, de autoria do Departamento, simplesmente não havia um único espaço onde um acadêmico falasse em nome do corpo estudantil e, não fosse a insistência de certa professora, permaneceria assim mesmo – se somos ignorados(as) em uma data tão importante, sendo nós os principais responsáveis pela história, prestígio e tradição do curso, não é difícil imaginar como nos tratam diariamente.

Ao que nos parece, a Coordenação, o Departamento e a Reitoria se deleitam em pensar: “O nosso curso de Direito anda tão bem que até recebeu o selo ‘OAB Recomenda’, a nota máxima no ENADE, além das excelentes aprovações nos exames da ordem. Preocupar-se com o quê, não é mesmo?” E, após cogitarem tamanho sacrilégio, guardam seus óculos do corporativismo, se esparramam na confortável poltrona do comodismo... E dormem, roncam e babam de tanta satisfação. Se não fossem os(as) estudantes e a diretoria do CAIM perturbarem seu sono e exigirem mudanças, eles continuariam no seu conforto, imersos na inércia! Reconhecemos que, vez ou outra, eles agem sem que ninguém os provoque, mas é uma atitude tão rara...

Apesar do tom desolador do título do artigo e mesmo com todos os percalços já elencados, estudantes da UFMA se sobressaem brilhantemente em relação aos outros das demais Instituições de Ensino Superior do estado e, com as devidas ressalvas, o “OAB Recomenda”, o Provão, os exames da ordem demonstram, de alguma forma, um mérito em nosso curso – mais acertadamente, de setores dele.

Parabéns aos estudantes, a cada professor compromissado, que, com sua perseverança e ânimo sublimes, não desanimam ante os empecilhos e se dedicam nas tarefas intercambiáveis de “educar” e “aprender”. Parabéns, ainda, a cada estudante egresso que, além dos muros da universidade, é responsável, na sua carreira profissional, por também exaltarem o prestígio do curso.

Que tais críticas ensejem um diálogo efetivo entre estudantes, a diretoria do CAIM e as instâncias superiores para, em conjunto, se engajarem na elaboração e concretização rápida das soluções eficazes aos nossos problemas.

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¹ Artigo publicado quando da comemoração dos 90 anos do curso de Direito no Maranhão;

² Thiago “Fiago” G. Viana, acadêmico do 9º período (not.); representante discente da da Assembléia Departamental, membro do Núcleo de Assessoria Jurídica Popular Universitária Negro Cosme (NAJUP Negro Cosme) e integrante do Movimento "Os lírios não nascem da lei".

Um comentário:

Pedro Blacene disse...

Temos problemas em tudo que é lugar, disse e repito: o maior motivo de cursos concorridos no vestibular de conseguirem uma nota boa em provas tipo ENADE é justamente o fato de terem os melhores alunos, alunos q não se contentam se a faculdade se mostra com uma péssima administração. Então, sim, os alunos merecem a nota máxima, "OAB recomenda" deveria ter nos seus diplomas, não na faculdade...