domingo, 4 de dezembro de 2011

Lírios que não nascem da lei?

“Este é tempo de partido,
tempo de homens partidos.
Em vão percorremos volumes,
viajamos e nos colorimos.
A hora pressentida esmigalha-se em pó na rua.
Os homens pedem carne. Fogo. Sapatos.
As leis não bastam. Os lírios não nascem
da lei. Meu nome é tumulto, e escreve-se na pedra.”
(Carlos Drummond de Andrade)


Foi nos versos de Drummond que um coletivo de estudantes de Direito da UFMA se inspirou para criar o Movimento OS LÍRIOS NÃO NASCEM DA LEI. Inquietação, resistência, justiça, poesia, luta, todos esses sentimentos os uniram em busca da necessidade de se posicionar, de pautar uma real discussão e uma mudança política no nosso curso, na universidade e no meio social em que estamos inseridos.

A Universidade Federal do Maranhão, como parte integrante da sociedade, reflete a atual conjuntura que esta apresenta. Sendo assim, o que vemos é uma precarização da educação pública, com falta de investimento e o processo desenfreado de expansão universitária, provocada pelo REUNI/PROUNI que se reflete no número absurdo de alunos dentro de cada sala de aula, na desvalorização e precarização do trabalho docente com cada vez mais incentivo na contratação de professores substitutos, 20 horas/aula, que não são obrigados a se dedicarem a pesquisa e a extensão.

Em contrapartida cada vez mais o Governo tem revertido o financiamento da educação pública as instituições privadas, contribuindo decisivamente para o processo de sucateamento do ensino público. Somado a isso, nossa universidade foi transformada num canteiro de obras, com inúmeras em excesso de prazo, abuso de gastos e pouquíssima transparência e publicidade nas ações. Queda e esquecimento das palavras educação, pública, gratuidade, qualidade.

Nessa linha, não poderia diferir muito o nosso curso de Direito. Contudo, ele traz consigo alguns aspectos peculiares. Os cinzentos corredores do curso refletem os sentimentos que pairam no ar: medo, desconfiança, silêncio, cegueira, surdez. A ditadura da opressão instituiu essa realidade perversa, em que não há confiança entre os sujeitos, em que não há o direito à voz, na medida em que seus interlocutores preferem emudecer a sofrer qualquer tipo de represália. Represália esta que se apresenta em diversas formas, desde uma implicância em sala de aula, marginalização de pensamentos e ações via internet, até às conhecidas reprovações em massa que – dependendo do aluno e do seu grau de “rebeldia” – podem virar numa perseguição incessante pelo jubilamento e trancamento do curso, devido à falta de pré-requisito para quase todas as disciplinas restantes.

Apesar do curso de Direito da UFMA ter completado, em 2008, seus noventa anos de existência, tal longevidade não se reflete num ambiente acadêmico propício ao desenvolvimento de um ensino mais profundo, crítico, de ensejo à pesquisa e à extensão. Se por um lado o Curso vem respondendo insuficientemente à sua função de investigação científica e produção de conhecimento, tampouco se apresenta como um espaço de crítica ao Direito e aproximação do mesmo a sociedade e das demandas concretas e urgentes de modificação da mesma. A falta de delineamento do que significa ensinar Direito e qual aluno se pretende formar, a defasagem da grade curricular e a falta de conciliação entre o conhecimento teórico e a prática jurídica, por exemplo, são episódios que refletem a inadequação do curso à realidade social do nosso país.

Por isso, entendemos que a articulação estudantil combativa é a forma mais legítima de se pleitear direitos, rupturas, novas construções coletivas. Nesse sentido, Os Lírios não Nascem da Lei é um coletivo estudantil que propõe uma verdadeira aproximação e uma luta pela defesa da categoria estudantil. E que tem um lado bem definido que faz questão de não esconder, o lado da esquerda, ao lado dos explorados, dos oprimidos e daqueles que verdadeiramente fazem o curso de Direito, os estudantes.

Para isso, propomos diversas ações a serem pautadas, como a democratização dos espaços do curso: acesso de todos os alunos ao Departamento, à Coordenação, aos Núcleos de Pesquisa e Extensão, – repudiando qualquer tipo de favorecimento, discriminação ou exclusão; reavaliação do plano político pedagógico do curso, acompanhando e exigindo a participação estudantil nas mudanças na grade curricular, propondo modificações pertinentes aos interesses do estudante e a uma formação mais qualificada, avaliando também junto à base as metodologias aplicadas em sala de aula; exigência de moralidade administrativa na condução do Curso, com transparência, publicidade e moralidade. Em especial, nos processos de deferimento/indeferimento de cadeiras, nos processos seletivos para os núcleos de pesquisa e as vagas de monitoria, nas bancas para professores, bem como nas Assembléias de Curso de Colegiado.

Mas se avaliamos que o fortalecimento estudantil do curso é necessário, constatamos também que estender essa articulação ao espaço da universidade é primordial. Desse modo, estamos contribuindo para a revitalização do movimento estudantil combativo na UFMA, mantendo contato com os demais coletivos do movimento estudantil da universidade que se alinham as nossas propostas para uma análise crítica ao processo de mercantilização da educação e sucateamento do ensino público; para uma fiscalização da administração superior, acompanhando a aplicação dos recursos públicos; pelo repúdio a qualquer tipo de opressão e discriminação e, também, pela defesa do movimento estudantil combativo e independente.

Também não podemos esquecer que é de suma importância alongar nossos olhares ao movimento estudantil para fora dos muros da UFMA, através, por exemplo, do fortalecimento e articulação da Regional Nordeste 3 ¹ (Maranhão, Piauí e Ceará), que passa por um processo de desagregação há dois anos; da aproximação e da problematização das discussões pautadas na Federação Nacional dos Estudantes de Direito (FENED); do contato com as entidades e movimentos sociais, a fim de levar aos estudantes de Direito uma alternativa ao encastelamento do Curso em si mesmo.

Estudantes, o momento é hoje, o presente. Unamos nossos braços, abraços, mãos, força, amor, juventude e construamos a cada dia, uma nova realidade, em que possamos ser parte sempre, que possamos ver os frutos do nosso suor, em que possamos pensar, falar, sentir com liberdade, em que possamos ser um corpo unido por uma nova educação, pela universidade pública, gratuita e de qualidade, por uma vida digna, verdadeira e livre de qualquer amarra!

“Uma flor nasceu na rua! Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada ilude a polícia, rompe o asfalto
Façam completo silêncio, paralisem os negócios, garanto que uma flor nasceu.
Sua cor não se percebe. Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros. É feia.
Mas é realmente uma flor.
Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde e lentamente passo a mão nessa forma insegura.
Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se.
Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico. É feia.
Mas é uma flor.
Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio. “
(Carlos Drummond de Andrade)



1. A Federação Nacional dos Estudantes de Direito se organiza em diversas regionais no Brasil. O Nordeste, por ter muitos estados, se organiza em 3 regionais. O Maranhão se insere na Regional Nordeste 3 , que engloba ainda os estados do Piauí e Ceará.

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