quarta-feira, 3 de março de 2010

Sobre a criação do mundo e os Lírios que não nascem da lei

Desde o início das coisas o mundo é poesia. Lá nos confins do tempo, do alto de seu vasto e tedioso céu, Deus orquestrou sozinho o mais belo concerto que já se viu, regeu uma explosão tão grande e tão mais linda que qualquer coisa que avistara à época. De mil e milhões de Megatons, fez-se tudo daí - sete dias de poiesis, aisthesis e katharsis! Se deliciou com os contornos de sua obra, fez arte, ar, terra, água, fogo, periquito, galinha e papagaio. Por fim, fez de si mesmo uma arte e se consubstanciou no chão. Brotou, então, da terra, a imagem e semelhança de Deus.
Mas Deus, que de tudo sabia, não esqueceu o que viria a produzir sobre hermenêutica das artes. Sabia que apesar de ter criado horizontes estéticos, sua obra ganharia as ruas e as múltiplas interpretações. Era algo inerente à própria criação artística. Como não esperar que preenchessem os espaços da sua obra com tantos significados, se ele mesmo havia dotado sua mais perfeita criação de razão própria e de livre-arbítrio? Era esperar pra ver...
A transmutação da arte divina foi inevitável. Tudo quanté criatura se sentiu na qualidade de co-autor, de escritor do seu destino e do destino de todo o resto. Aos trancos e barrancos a poesia subsistiu. Horas um lirismo embevecente, outras, versos decadentes. Quantos não foram os que criaram o belo e o justo onde Deus quase já havia desistido? Na outra mão, quantos não quiseram, às paisagens, impor molduras, impregnar o livre texto com tolas regras de acentuação? Era um contrabalanço perigoso. Se, num piscar de olhos, Deus desse um cochilo, podia ser que o mundo não resistisse a tal tensão.
A Universidade Federal do Maranhão não estava à margem dessa interação artística. Indiretamente também era obra de Deus. O curso de Direito, então, nem se fala... Entretanto, algo parecia estar correndo errado por ali. Alguns indivíduos começaram a levar tanto à risca a idéia de razão própria e de livre-arbítrio que da própria razão edificaram “A razão” e do seu arbítrio fizeram lei - compuseram versos decadentes de tal estirpe que comprometeram seriamente todo o horizonte estético e suprimiram a auto-estima do curso. À poesia, sequer ofereceram um consolo: um marasmo antilírico servia de combustível à situação.
Sob o risco de sucumbir ante essa penumbra, a Universidade clamava por mudança. O justo e o belo ainda podiam ser construídos ali, ainda pulsavam peitos pelos corredores. O prenúncio do poeta encontrava, assim, um meio para se propagar - era possível se ouvir o eco, ainda que distante: “As leis não bastam, os lírios não nascem da lei”. Como foi alentador perceber que em meio ao monstro de concreto uma flor poderia surgir do chão. Os lírios brotam da terra, um peito pulsante pensou. E o curso de Direito nunca mais havia ser o mesmo.


(Paulo César di Linharez - acadêmico do 3º período, turno noturno)

Um comentário:

Unknown disse...

Ao ler esta crônica comparo o Movimento em curso, ou melhor, faço uma analogia com a Bossa Nova... Vocês escrevem algumas coisas bem certinhas, bonitinhas, que acredito ser muito difícil a geração futura de estudantes de Direito seguir o mesmo diapasão. Vocês estão construindo uma forma diferente de protestar, algo que reputo de maravilhoso vigor...lindo, porque não é panfletário, ainda que sensacional...